É curioso e paradoxal observar que os clientes que mais perguntam o que podem ou não comer são os que mais sabem sobre nutrição.
Sempre que recebo um novo cliente no consultório ou nas empresas, costumo perguntar se a pessoa já fez algum tipo de dieta, com ou sem acompanhamento profissional. Uma boa parte tem vasta experiência com dietas da moda que copiavam das revistas – e hoje das blogueiras, já passaram por clínicas com vários tipos de profissionais, e seguiram inúmeros cardápios. Sabem de cor onde estão os carboidratos, proteínas e gorduras, a função dos suplementos nutricionais, já substituíram arroz branco pelo integral e incorporaram o queijo cottage. Mas pelo insucesso em chegar ou manter o peso desejado, procuram novamente um profissional para conduzir este processo.
Muitos dos que me procuram sabem a forma que trabalho. Já ouviram dizer que não costumo passar dietas, que não acredito em alimentos proibidos, e que uma alimentação saudável engloba todo e qualquer tipo de alimento, inclusive no emagrecimento. Por mais sensato que seja esse discurso, parece que é incomum um nutricionista que não briga com o paciente. A que ponto chegamos, não é? Quando chegam até mim esperam algo revolucionário (como assim, emagrecer sem dieta?), e quando explico a forma de trabalho, tenho a sensação de que muitos se frustram ao não ter algo para seguir quando finalizo o atendimento. Mesmo depois de argumentar e apresentar dados mostrando que dietas são insustentáveis, e mesmo o cliente enxergando no seu passado um histórico de tentativas malsucedidas, nem sempre ele consegue ver o que elas têm em comum: propõem restrições, prometem uma perda de peso rápida (e de fato isso acontece), são dispendiosas, e sutilmente constroem uma relação negativa com a comida. Entendo que não é de uma hora para outra que uma abordagem que busca desconstruir essa relação torna-se viável, mas me pergunto se faz algum sentido seguir algo prescrito por mim, justamente quando a proposta de trabalho é inversa. O meu papel é conduzir o cliente por este novo caminho, mostrando princípios, bases e referências de alimentação saudável, de forma que ele mesmo construa o seu processo de forma natural, que faça sentido, que seja sustentável e factível. O curioso é que as pessoas que tiveram pouco contato com o mundo da nutrição e das dietas, são as que mais entendem a proposta e fluem por este caminho de forma tranquila. Por outro lado, as que mais tem conhecimento e vivências nutricionais são as que menos sabem o que comer, e acabam ficando perdidas quando não tem nenhum cardápio para seguir.
Nos atendimentos costumo usar materiais como guias, exemplos, referências e lembretes, incentivando o cliente a estudá-los e adequar o dia a dia alimentar segundo a conversa que tivemos, de forma bastante autônoma e livre. Autonomia e liberdade são condições fundamentais para que esse trabalho seja bem desenvolvido. Não me sinto confortável assumindo uma posição de impor regras e estabelecer limites sobre a alimentação de ninguém. Não, esse não é o papel do nutricionista. Devemos trabalhar para que as pessoas tenham conhecimento nutricional, e desenvolvam habilidades e atitudes para praticar a alimentação saudável na sua forma ampla de maneira natural, positiva e por muitos e muitos anos. Impor regras e listar alimentos proibidos não necessariamente ajuda, e não sei fazer isso muito bem.
Não me importa se a balança mudará de número ou não, mas se as novas escolhas alimentares estão dentro dos princípios sugeridos. É claro que não é saudável comer hambúrguer, batata-frita e refrigerante todos os dias, da mesma forma que não é saudável comer apenas banana como fruta e alface e tomate como salada todos os dias. Equilíbrio e variedade são tão importantes quando o total de calorias e percentuais de macronutrientes ingeridos. A mudança da balança, se tiver que ocorrer, virá como consequência e de forma natural também.
Os atendimentos seguintes servem para adequar e ver detalhes dos micro processos de mudança alimentar, e junto com isso discutimos questões muito mais profundas do que simplesmente “evite doces, substitua por gelatina diet”, e coisas do gênero. Costumo dizer que a mudança é mental, de mindset, e que o meu papel é desfazer a lavagem cerebral de que as pessoas seriam incapazes de comer bem sem ter à mão um cardápio feito por alguém que não conhece as suas preferências alimentares, não sabe quanta fome está sentido, nem quanta saciedade, e muito menos quanta satisfação. Que não mora na sua casa, não tem a mesma habilidade culinária, não sai para comer com seus amigos e não sabe qual a sua vontade naquele dia. Isso, só você sabe. O meu papel é fazer cada pessoa enxergar tudo isso, e ajudar a encaixar as peças do seu próprio quebra-cabeças alimentar, para se tornar uma imagem clara. Quando uma peça se desencaixar, rapidamente ela mesma a coloca de volta, sem depender de ninguém, e a base mantém-se sempre sólida.